sábado

o papel de parede amarelo

Das 112 páginas que compõem O papel de parede amarelo, sua história ocupa não mais que 58 delas. Mas o que a narrativa tem de breve, tem de impactante.

A autora, Charlotte Perkins Gilman, é uma grande figura feminista da história. Quando escreveu o conto O papel de parede amarelo, em 1890, teve certa dificuldade para conseguir publicar o material, sendo considerada uma narrativa um tanto controversa.

Foi somente um ano e meio depois, na edição de janeiro de 1982 da New England Magazine, que seu conto foi publicado pela primeira vez. Depois disso, a história foi impressa em diversos outros formatos e passou a ser considerada uma importante obra feminista.
Uma mulher fragilizada emocionalmente é internada, pelo próprio marido, em uma espécie de retiro terapêutico em um quarto revestido por um obscuro e assustador papel de parede amarelo. Por anos, desde a sua publicação, o livro foi considerado um assustador conto de terror, com diversas adaptações para o cinema, a última em 2012. No entanto, devido a trajetória da autora e a novas releitura, é hoje considerado um relato pungente sobre o processo de enlouquecimento de uma mulher devido à maneira infantilizada e machista com que era tratada pela família e pela sociedade.


O papel de parede amarelo é uma história que muitos classificam como terror, mas que na verdade, aborda questões muito mais profundas sobre feminismo e patriarcado.

Sob os cuidados de um marido aparentemente bem intencionado e amoroso, uma mulher emocionalmente fragilizada é levada por ele, para passar alguns meses em uma casa alugada, afastada de tudo e todos, afim de se recuperar. Controlador, é ele que determina onde o casal vai dormir: um enorme quarto localizado no segundo andar do imóvel, revestido por um papel de parede amarelo  perturbador.

Trancafiada na casa, ela passa a escrever uma espécie de diário secreto e é através dele que conhecemos toda essa história. Com o passar dos dias, a mulher se vê determinada em estudar os padrões daquele papel de parede, onde ela acredita existir a figura de mulher aprisionada.

Ao passo que a mulher acredita estar se sentindo cada vez melhor, o que o leitor percebe é exatamente o contrário. O isolamento e o tédio, o marido controlador e suas vontades sempre negadas a levam por um caminho de sofrimento muito mais intenso e com consequências cada vez mais agudas.

Uma leitura forte, angustiante e muito necessária.
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sexta-feira

é ruim mas consegui

ou, uma resenha do livro A verdade sobre o caso Harry Quebert


Joël Dicker, autor de A verdade sobre o Caso Harry Quebert, pode ser descrito como o escritor que não amava as mulheres (título perfeito da resenha de Eder Alex no site A Escotilha). Não conheço outras obras do suíço, mas baseada nas 576 páginas que li, só consigo descrevê-lo dessa forma. As personagens femininas de seu livro possuem personalidades sofríveis, rasas e caricatas.

Mas estou passando o carro na frente dos bois. Vamos começar essa resenha da forma que deve ser feita: do princípio.

Sinopse: Verão de 1975. Nola Kellergan, uma jovem de quinze anos, desaparece misteriosamente de uma pequena cidade na Nova Inglaterra. As investigações da polícia são inconclusivas. Primavera de 2008, Nova Iorque. Marcus Goldman, escritor, vive atormentado por uma crise da página em branco, depois de o seu primeiro romance ter sido um estrondoso sucesso. Junho de 2008, Aurora. Harry Quebert, um dos escritores mais respeitados do país, é preso e acusado de assassinar Nola, depois de o cadáver da garota ser descoberto no seu jardim. Meses antes, Marcus, discípulo de Harry, descobrira que o professor vivera um romance com Nola, pouco tempo antes do seu desaparecimento. Convencido da inocência de Harry, Marcus abandona tudo e parte para Aurora para conduzir a sua própria investigação.
O livro não começa ruim... na verdade, a narrativa introduz um mistério bastante intrigante e que acaba prendendo o leitor: o corpo de uma menina desaparecida há anos, é descoberto no jardim de um grande escritor e ele preso sob a acusação de tê-la assassinado. Harry Quebert foi professor de Marcus Goldman na faculdade e acabaram desenvolvendo uma relação mestre/pupilo. O início de cada capítulo traz pequenos ensinamentos sobre a arte de escrever, passados de Harry a Marcus. Tudo muito entediante e clichezão.

É interessante ver o approach de Joël Dicker em relação a o que seria um autor bem sucedido nos Estados Unidos. Ele os trata como verdadeiros astros de cinema, sendo reconhecido nas ruas, alvos de revistas de fofoca e acumulando milhões de dólares no banco.

O primeiro problema que identifiquei no livro foi a dificuldade do autor em criar diálogos interessantes e inteligentes. Não existe uma conversa entre personagens que possa ser salva. Em alguns momentos a gente se depara com textos realmente ridículos. 
O segundo problema - e o maior deles - o relacionamento entre Harry Quebert e Nola Kellergan. Ele com trinta e poucos anos, ela com quinze. A história não é relatada como um relacionamento abusivo entre um adulto e uma adolescente. Pelo contrário, a narrativa e Marcus (personagem principal) romantizam a situação a todo momento. Bem #LolitaFeelings: nada original e 100% problemático.

Aqui os diálogos ficam ainda mais difíceis de serem aturados. Nas lembranças de Harry, as conversas entre ele e Nola parecem tiradas de um romance de 1930. Além de serem totalmente vazios. Não há conteúdo, somente declarações de amor eterno, bastante toleráveis para uma menina de quinze anos, mas nada compatíveis com um homem em seus trinta.

O terceiro problema está na construção das personagens femininas da trama. A mãe de Marcus chega a ser um personagem absurdo. Na tentativa de criar uma linha mais cômica na relação mãe e filho, o autor cria uma mulher preconceituosa, ignorante e fútil.

Mas, nem tudo é ruim. O livro caminha entre histórias do presente e passado e o autor é muito bom em fazer essas transições. Por pior que seja, confesso ter sido muito difícil largar o livro. É como presenciar uma grande tragédia e não conseguir desviar o olhar.

Terminei o livro às 4h da manhã, em um quarto de hotel de Buenos Aires. A conclusão foi uma só: ele poderia ter metade do número de páginas que tem. A enrolação e o excesso de plot twists inseridos no capítulo final geram uma leitura impaciente e uma sensação de "Minha nossa senhora, até quando vou dar conta disso?"

No mais, leiam por sua conta e risco.

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